sábado, setembro 23, 2006

Undo

Um vento frio arrepiou-lhe os pêlos dos braços.
Chovia copiosamente, em
cordas grossas, espaçadas, com gotas pesadíssimas que caíam com estrago sobre os
coqueiros aninhados pela tempestade. A areia, antes muito branca era agora
cinzenta e adquirira uma consistência pastosa, impregnada daquela água
diluviana.
O Aki deixou-se estar deitado na cama de rede com os olhos fixos
no horizonte cinza-escuro. O mar chão daquele paraíso perdia a forma contra
aquele céu tão escuro.
Cheirava a molhado, uma mistura de mofo, de mágoa e
de água de côco, uma sensação que deixava um travo frio no corpo, como um
arrepio inexplicável. Se fechasse os olhos ouvia sereias a chorar por entre as
ondas, o embate da chuva e o gemido triste do vento.
Na alma dele também
chovia. E trovejava. E ciclones varriam-lhe o peito, fazendo-lhe tremer as
memórias.
Após tanto tempo de exílio o que mais queria era voltar a casa.
Sentir o calor dos abraços dele em torno da sua cintura. Nada melhor havia no
Mundo que o seu abraço. Que a paz que ele trazia. Que a sensação de conforto, de
graça, de plenitude que era estar com o Lauri.
A casinha de praia em que se
instalaram ficava a meio planeta de distância do seu amor. Quando aqui chegara
certificou-se que ficaria mesmo sozinho, pois não havia vida humana em redor,
nem casas nem gente e muito menos turistas. Para chegar à civilização tinha um
longo caminho até à estrada onde passava a camioneta, e depois disso, uma
interminável viagem por entre a selva virgem. A solidão tinha-lhe trazido a paz
que necessitava, conseguiu limpar o espírito e ver melhor.
Levantou-se e
escorreu os olhos por aquele paraíso de luto. Nada parecia mudar ali. Há
centenas de anos que aquele mar se espraiava naquela areia, que aqueles pássaros
cantavam aquelas melodias, que o lindíssimo céu estrelado das noites quentes
permanecia calmamente vigilante.
Já fizera o que se propusera a fazer.
Estava na hora de voltar… E depois, só o destino o diria.


Era
mais um dia no meio daquelas semanas.
O Lauri foi ao mesmo café, do mesmo
terminal, do mesmo aeroporto. Sentou-se na cadeira do costume com a chávena na
mão e propôs-se a esperar.
Há semanas que aguardava que o Aki voltasse. Não
sabia para onde tinha ido. Não sabia quando vinha, nem se o veria no meio
daquele turbilhão humano. Mas acreditava que sim.
Todos o chamaram doido,
tentaram que fosse visto por um médico, inclusive. Tudo fizeram para que
deixasse aquele terminal. Mas lá estava ele. Desde manhã, pouco após o primeiro
voo, até à noite, depois do sol se pôr.
Hoje teve o pressentimento que devia
esperar até mais tarde, e por isso comprou uma sanduíche para o jantar.
O
tempo passa sempre devagar quando se espera, em especial se não se sabe o que se
espera. No entanto, ele tinha quase a certeza que hoje voltava a ver o seu amor.
E tudo recomeçaria.
Do altifalante ouviu-se o avisar que um voo vindo de
Frankfurt acabava de aterrar.
“Tudo o que pela Europa passa, passa por lá,
por Zurique, Londres ou Paris” e era nesses voos em que o Lauri depositava a sua
maior esperança.
Sem saber porquê as palmas das suas mãos começaram a ficar
suadas e o seu olhar outrora cansado mais atento.
Pareceu uma eternidade até
começarem a sair passageiros.
Gritos de alegria invadiram o átrio quando
famílias se reencontraram, os sorrisos dos amigos que se cumprimentavam
contagiaram todo o redor; uma inexplicável plenitude apoderou-se dos presentes.
Então viu-o. E teve a certeza que ele o viu também. Trocaram um olhar
intenso que significou o Mundo e a Vida.
O Aki foi-se aproximando, do outro
lado da fita de segurança, nunca desligando os seus olhos dos olhos dele.
Quando enfim se encontraram frente a frente, o recém chegado murmurou:
-Desculpa…
Mas o Lauri nem o ouviu. Abriu os braços num abraço e os
lábios num sorriso. Apertou-o contra o coração e apenas lhe sussurrou:
-Bem-vindo a casa, meu amor.




Para o meu amor. Espero que gostem tanto quanto eu, que adoro esta música e esta história.

Beijos

1 comentário:

Anónimo disse...

mandei 1 mail...