quinta-feira, julho 10, 2008

Cesto de Gávia

"Ora... 53 são 70 cêntimos, deixa cá ver... Vou ver se acabo aquilo hoje uma moeda de 50, outra de 10, ui, caiu, Só queria ir ao cinema uma moeda de 10 e duas de 5... 70... ui tenho de marcar o número 53. Tenho de acabar aquilo hoje Ciiiiiinco Trêêês"
Com um estrondo caiu das últimas prateleiras a lata de sumol que eu estava a tentar extrair de uma máquina automática. Peguei-lhe e abri-a. Um líquido gelado de sabor ácido e adocicado tocou-me na língua. Estremeci, estava fria de mais, e comecei a caminhar. Detive-me perante uma janela.
Estava no 8º piso e as "vistas" eram mais ou menos agradáveis, pelo que me sentei no corrimão da escada a observar.
Enquanto girava a latinha na mão a paisagem transfigurou-se-me perante os meus olhos. Não via mais uma dúzia de blocos cansados e cinzentos com janelas demasiado exaustas para ocultarem o seu interior. Não, olhei para baixo e as beatas de cigarros que se acumulavam nos telhados dos andares inferiores deram-me a ilusão de estar, feita Deus todo-poderoso, a espreitar, através das estrelas da esfera celeste, a vida dos humanos lá em baixo na Terra.
Pontos brancos, os Homens passavam de janela em janela. Alguns com pressa e competência, outros devagar e cansados. Muitos cabisbaixos e ensimesmados "quem sabe porque desgraça?", outros ainda distraídos, como se, como eu, estivessem a viver uma ilusão.
Centenas de existências se cruzavam sob o meu olhar atento, mas para mim nada significavam. Eram um enigma profundo, demasiado distante para me preocupar.
E olhei, condescendente para a a "Criação", o triste e harmonioso acumular de cimento que constituía aquele Universo.
Foi então que levantei os olhos e vi algo de singelo: um céu azul-cobalto imperava sobre tudo aquilo. Estava enganada, mais do que uma mera observadora, eu vivia também uma daquela enigmáticas existências
Acabei o sumol e desci as escadas, meditabunda.